No dia em que fui mais feliz Eu vi um avião Se espelhar no seu olhar até sumir De lá pra cá não sei Caminho ao longo do canal Faço longas cartas pra ninguém E o inverno no Leblon é quase glacial Há algo que jamais esclareceu Onde foi exatamente que larguei Naquele dia mesmo O leão que sempre cavalguei Lá mesmo esqueci que o destino Sempre me quis só No deserto sem saudade, sem remorso só Sem amarras, barco embriagado ao mar Não sei o que em mim Só quer me lembrar Que um dia o céu Reuniu-se à terra um instante por nós dois Pouco antes do ocidente se assombrar
Meus tempos de criança (1957) Ataulfo Alves
Eu daria tudo que eu tivesse Pra voltar aos dias de criança Eu não sei pra que que a gente cresce Se não sai da gente essa lembrança Aos domingos missa na matriz Da cidadezinha onde eu nasci Ai, meu Deus, eu era tão feliz No meu pequenino Miraí Que saudade da professorinha Que me ensinou o beabá Onde andará Mariazinha Meu primeiro amor onde andará? Eu igual a toda meninada Quanta travessura que eu fazia Jogo de botões sobre a calçada Eu era feliz e não sabia
Velhas pedras que pisei Saiam da vossa mudez Venham dizer o que sei Venham falar português Sejam duras como a lei E puras como a nudez. Minha lágrima salgada Caíu no lenço da vida Foi lembrança naufragada E para sempre perdida Foi vaga despedaçada Contra o cais da despedida. Visitei tantos países Conheci tanto luar Nos olhos dos infelizes E porque me hei-de gastar? Vou ao fundo das raízes E hei-de gastar-me a cantar.